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Quando os pais também precisam de cuidado: o lado esquecido da DBT.

Sobre este texto

Este material é uma síntese livre, inspirada no artigo “Treat Both Sides of the Transaction: Life-Threatening Behaviors in Children Affect Their Parents AND Parent Trauma-Related Problems Affect their Teen and Young Adult Children“, de Alan Fruzzetti, publicado em julho de 2025 no periódico DBT Bulletin.


Você já parou para pensar no que acontece com os pais quando um filho ou filha está em tratamento de DBT? Enquanto focamos intensamente no jovem que apresenta comportamentos de risco, muitas vezes esquecemos que do outro lado da relação há pais e cuidadores que também estão sofrendo – e que esse sofrimento pode estar afetando diretamente o sucesso do tratamento.

Alan Fruzzetti, pesquisador reconhecido na área de DBT, traz uma perspectiva “simples” e impactante: precisamos tratar “ambos os lados da transação”. Não é apenas o adolescente ou jovem adulto que precisa de ajuda – os pais também podem estar vivenciando traumas significativos que impactam toda a dinâmica familiar.

O Trauma Invisível dos Pais

Imagine descobrir que seu filho tentou suicídio ou se autolesiona regularmente. Para muitos pais, essa experiência é genuinamente traumática. As pesquisas de Fruzzetti revelam dados impressionantes: em estudos com mais de 400 familiares, cerca de 90% dos pais apresentavam critérios para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) relacionado aos comportamentos de risco de seus filhos.

Os eventos mais comuns que os pais identificaram como traumáticos foram:

  • Ameaças de suicídio (81% dos casos)
  • Autolesão não suicida (74% dos casos)
  • Tentativas de suicídio (62% dos casos)

Esses números não são apenas estatísticas – representam pais reais, vivendo em estado constante de alerta, medo e exaustão emocional. Como Fruzzetti observa: a questão central não é necessariamente o diagnóstico formal, mas sim reconhecer que problemas relacionados ao trauma são extremamente comuns nessa população.

O ciclo que se perpetua

Aqui está o ponto crucial que Fruzzetti destaca: pais traumatizados e estressados têm sua capacidade parental comprometida, especialmente quando se trata de filhos tão vulneráveis. É um ciclo que se alimenta: o jovem apresenta comportamentos de risco, os pais ficam traumatizados, desenvolvem respostas de medo e evitação, podem se tornar mais controladores ou invalidantes, o que por sua vez pode piorar a regulação emocional do filho.

Do ponto de vista do condicionamento do medo, faz todo sentido. Pais que vivenciaram eventos traumáticos relacionados aos filhos naturalmente desenvolvem comportamentos de escape e evitação. Podem tentar controlar excessivamente para gerenciar seu próprio medo, criando um ambiente ainda mais invalidante para o jovem.

Por que a DBT tradicional não é suficiente?

A maioria dos programas de DBT foca quase exclusivamente no cliente individual – o adolescente ou jovem adulto. Quando incluem os pais, geralmente é através de grupos multifamiliares ou ensino de habilidades DBT, e isso apenas quando o filho é menor de 18 anos.

Fruzzetti argumenta que essa abordagem é limitada. Os pais com TEPT e outros problemas relacionados ao trauma precisam de intervenções específicas que vão além do aprendizado de habilidades básicas. Eles precisam:

  • Compreender o modelo transacional sem culpabilizar ninguém
  • Reduzir o estigma e a vergonha através de habilidades interpessoais
  • Trabalhar o condicionamento do medo através de mindfulness
  • Melhorar o autocuidado e renovar relacionamentos

O Programa FC-MSTR

Reconhecendo essa lacuna, Fruzzetti e colegas desenvolveram o programa “Family Connections – Managing Suicidality and Trauma Recovery” (FC-MSTR). Este programa gratuito foi especificamente criado para pais que vivenciam problemas relacionados ao trauma.

O FC-MSTR combina:

  • Psicoeducação baseada em evidências
  • Habilidades individuais de DBT para atenção e emoção
  • Estratégias de exposição modificadas para reduzir o condicionamento do medo
  • Habilidades DBT para pais e famílias
  • Suporte significativo de outros pais

Os resultados preliminares são promissores, mostrando reduções na severidade do TEPT, além de melhorias em problemas com emoções desreguladas, sobrecarga, depressão, ansiedade e estresse geral.

Implicações para a Prática Clínica

Para terapeutas que trabalham com DBT, Fruzzetti sugere quatro pontos essenciais:

Manter-se não julgador e dialético sobre pais e filhos, empregando mindfulness e curiosidade genuína sobre a experiência de ambos.

Incorporar completamente o modelo transacional no planejamento de intervenções, desenvolvendo planos compassivos e eficazes que incluam colaboração com os pais.

Desenvolver repertório para avaliar e tratar problemas relacionados ao trauma nos pais quando necessário.

Facilitar o desenvolvimento de habilidades DBT para pais e famílias, ajudando a transformar as transações entre pais e filhos de forma benéfica para ambos.

Reflexões Finais

A mensagem central de Fruzzetti é clara e poderosa: é mais eficaz tratar ambos os lados da transação. Quando ignoramos o sofrimento dos pais, perdemos uma oportunidade crucial de melhorar não apenas o bem-estar deles, mas também os resultados do tratamento para seus filhos.

Isso não significa culpabilizar os pais ou minimizar as dificuldades dos jovens. Pelo contrário, é reconhecer que famílias são sistemas interconectados, onde o sofrimento de um membro inevitavelmente afeta os outros. Ao cuidarmos dos pais, estamos, em última análise, cuidando melhor de toda a família.

Para profissionais da área, essa perspectiva convida a uma reflexão importante: como podemos expandir nossa visão de tratamento para incluir verdadeiramente todos os membros da família que estão sofrendo? Como podemos criar espaços seguros para que os pais também recebam o cuidado e suporte que merecem?

A DBT sempre foi sobre validação e mudança. Talvez seja hora de aplicarmos esses princípios não apenas aos nossos clientes diretos, mas também àqueles que os amam e cuidam deles todos os dias.

Para ler o artigo original, acesse: https://www.dbtbulletin.org/